Enfiar o motor de um carro em uma moto é uma ideia exótica, que foi aplicada em criações como a Münch Mammoth com motor NSU e ainda é usada pelas americana Boss Hoss e seus V8 Chevrolet. Mas a ideia já foi aplicada com sucesso no Brasil, como bem prova essa Kahena 1.600 com motor de Volkswagen Fusca que está a venda no Mercado Livre por R$ 18 mil. A moto é a última evolução de um conceito que foi aplicado pela primeira vez ainda nos anos 70.
Mesmo que a evolução diferencie um projeto do outro, se você fizer um exame de paternidade na Kahena verá que ela descende do conceito da Motovolks, uma criação de poucos exemplares dos mecânicos Luiz Antônio Gomides e José Carlos Biston com motor VW 1.500 boxer a ar. Luizão, como era conhecido, era um entusiasta de motoclube. E bota entusiasta nisso, a figura foi um dos fundadores do famoso Abutres e buscava uma estradeira com mecânica acessível e fácil de ser reparada, o que não era o caso das Harley-Davidson em uma era fechada aos importados.
Junto com diferentes empresários, a dupla conseguiu produzir em série a moto, aperfeiçoada e rebatizada como Amazonas entre 1980 e 1989. O nome do gigantesco estado caiu bem para a maior motocicleta do mundo. Foi a primeira a ter até marcha à ré, uma herança providencial do câmbio VW dado o peso superior a 350 kg em algumas versões. Após o final da produção da Amazonas, Luizão conseguiu criar a Kahena em 1991. A produção feita pela empresa Tecpama (Ténica Paulista de Máquinas Ltda) foi até 1999. Foram 434 unidades produzidas, sendo que destas mais de 180 foram exportadas.
Da Amazonas, restou apenas o conceito de motor 1.600. É o que conta o proprietário da moto, Roberto Dutra. De tão apaixonado pelo modelo, Dutra é conhecido pelo apelido de Beto Kahena e chegou a tatuar o nome da moto em seu braço. Ele é o segundo dono da 1.600, que foi comprada há pouco mais de seis anos quando o carioca soube que havia uma Kahena 1.600 à venda em Feira de Santana (BA) durante suas férias em Minas Gerais ao guidão da sua Honda Shadow 600.
"Um amigo viu um modelo Custom igualzinho a que eu tinha na Bahia e anotou o telefone do proprietário em um papelzinho, que rodou comigo durante mais uns 20 dias até eu voltar", diz Dutra. Logo quando chegou, não tardou em ligar para o Manoel, um senhor cuja idade o levou a preferir uma moto mais leve para o dia a dia. Sentiu o cheiro de uma troca no ar? E lá se foi a Kahena para o Rio aboletada na picape do seu Manoel, que voltou feliz da vida levando a Shadow na mesma caçamba.
Sabe o que ela tem em comum com a Amazonas? Tão somente o motor. "Ela é mais curta, menor e mais leve. A pilotagem é bem mais fácil e tem outras evoluções. O eixo de transmissão é por cardã, na Amazonas era corrente. A caixa de câmbio foi feita para ela, enquanto a da antecessora era VW adaptado. O quadro é Delta Box com travessas duplas com ligação entre elas e a suspensão traseira monobraço com cardã, que nem nas BMW", lembra o proprietário. "A posição de dirigir também é melhor. Você dirige mais ereto como em uma moto trail. Nem sentado inclinado para trás, nem esticado para frente. Nem toda moto custom é confortável", completa.
Em comum com a BMW, há também o motor boxer. É o mesmo 1.600 do Fusca, com dupla carburação para entregar 65 cv e 10,8 kgfm de torque a meros 3.000 rpm. "Por ser de automóvel, é um motor com respostas mais lentas. Não é de giro alto como acontece nas motos, até mesmo nas custom com motor em V. Ela é feita mesmo para ignorar distâncias longas", afirma o dono. O problema é que o dono já tem outras duas motos estradeiras e, por isso, deseja encontrar um novo lar para a sua Kahena - até que venha a próxima, acreditamos.
Na cidade e em manobras de estacionamento, a Kahena se vale de um truque: a marcha ré. A marcha é engatada por uma alavanca à direita do piloto. No caso do exemplar, a manopla original sem graça foi trocada pelo crânio de uma caveira. O câmbio tem quatro marchas, uma para baixo e três para cima, com ponto morto entre elas. A Kahena é grande, mas é curta para o porte, com apenas 2,25 metros de comprimento e 1,60 m de entre-eixos (sete centímetros a menos que a Amazonas). Segundo o proprietário, isso faz dela uma moto bem mais fácil de pilotar do que parece a um primeiro olhar.
A Kahena está original até nos detalhes, tais como o para-brisa de fábrica e o encosto do garupa com porta-luvas embutido e bordado com o nome da moto. O painel também é de fábrica e conta com uma civilizada faixa vermelha no velocímetro acima dos 120 km/h. Algumas adaptações foram feitas para solucionar problemas de produção. "Ela teve alguns aprimoramentos de defeitos crônicos. Refiz os garfos da suspensão dianteira, que vazavam, a fixação da roda traseira e outros grilos que davam problemas em toda Kahena. A bomba de combustível de fábrica era elétrica, coloquei a mecânica do Fusca que nunca dá pau", explica o dono.
Além disso, embora tenha comprado a moto com 13 mil km e tenha rodado uns 100 mil km depois disso, o conjunto mecânico está zerado. O motor do Fusca ganhou novo kit com pistões, anéis, cabeçotes, válvulas, tudo novo. Componentes como a embreagem, caixa de marchas e carburadores também são novos, uma reforma que incluiu a desmontagem e revisão completa no início desse ano. A conta do serviço chegou a mais de R$ 4 mil. Desde então, foram pouco mais de 1.500 km rodados. Diante de tudo isso, nem parece tão salgado o preço de R$ 18 mil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário